sábado, 31 de maio de 2008

Faculdade de Medicina UFPA - Reflexões de 1998. Ainda atuais. Que pena!




No final dos anos 60 a Faculdade de Medicina da UFPA vivia dias de disciplina, hierarquia e humanismo. A tão propalada Integração Docente-Assistencial ( IDA ) era praticada naturalmente . Os catedráticos eram também os chefes de Serviços na Santa Casa. Os mesmos funcionavam dentro de rigorosos protocolos. Destacavam-se a Pediatria ( Abelardo Santos ), a Dermatologia ( Domingos Silva ), a Ginecologia-Osterícia ( Bordalo ), a Propedêutica ( Bettina F e Souza ), a Neurologia ( Pedro Rosado ) , a Gastroenterologia ( Afonso Rodrigues Filho ), Patologia ( Monteiro Leite e Ronaldo Araújo ) e todo o elenco de bons professores que tornavam respeitada a Faculdade de Medicina da UFPA.
Os alunos chegavam ao primeiro ano e já sabiam quais os blocos de disciplinas que cursariam, em regime de seriado, até o sexto ano. A amizade, o companheirismo e a solidariedade embasavam os sentimentos éticos e humanísticos. Ser egresso do curso de Medicina da UFPA era uma excelente credencial para quem buscava vaga de Residência Médica.
O Governo Militar instituiu de modo estratégico ( aos seus interesses ) a Reforma do Ensino Universitário. O ensino médico sofreu uma mudança radical, para qual não estavam preparados a instituição e nem os professores. Os alunos viviam numa rotina experimental, como cobaias de um projeto que se prenunciava um desastre. O chamado aparelho formador acusou o impacto. Subitamente passou a receber 612 alunos para a área de saúde ( medicina, odontologia, biologia, farmácia e nutrição ), dos quais a grande maioria era optante pelo curso médico. O processo seletivo ocorria dento do curso básico, gerando um ambiente de competitividade que pulverizava o companheirismo. Estava comprometido o clima de amizade e de solidariedade. A mudança do curso básico para o Campus do Guamá, deixou os alunos ainda mais distantes do espírito médico. Aqueles mesmos vestibulandos que tiveram seus nomes anunciados nas leituras das listas dos aprovados e tiveram suas cabeças raspadas, não tiveram a segurança de poder colocar sobre as mesmas a tradicional boina verde, símbolo do calouro de medicina. Começavam as dúvidas e incertezas. Foi instituido o sistema de créditos e o acesso as disciplinas era feito por aproveitamento no semestre anterior ( CRPC e CRPL ). Não haviam vagas para todos, e as aulas eram ministradas ao “atacado". Alunos acomodavam-se em auditórios superlotados ou em ginásios improvisados, ambientes longe do ideal. Aulas práticas deixavam muito a desejar. A situação era minimizada pelo fato de ainda possuirmos professores de excelente qualificação que tinham o mérito de deixar-nos seduzido por seus conhecimentos e didática. Naquele momento foi de extrema importância o trabalho abnegado e idealista de um visionário chamado Camillo Vianna, competente docente do Serviço do prof. Afonso Rodrigues Filho que deu continuidade e expandiu o chamado Estágio Voluntário de Férias da Enfermaria São Francisco, levando os alunos, dentro de atividades hierarquizadas, baseadas em ações propedêuticas disciplinadas, com enfoques de valorização do paciente, do ato médico, mostrando a importância da interiorização, induzindo ao aprendizado ativo, e o mais importante, devolvendo-nos a auto-estima e a confiança. Analisando o desempenho dos egressos dos referidos estágios, podemos atribuir meritos ao trabalho do prof. Camillo Vianna e dos dedicados professores que colaboravam com o programa. Grande número de alunos de medicina receberam orientações seguras e fundamentais para a boa prática médica. Contrapondo-se a isso, o internato, momento supremo do curso médico, sofreu com a demanda aumentada e pela mais completa incapacidade de ser assumido pelo único hospital de apoio universitário da época, Santa Casa , o qual enfrentava dias de difíceis crises. Os alunos eram distribuído por hospitais e clínicas da cidade e de outros estados, sem a exigência de rodízio nas quatro áreas básicas, fazendo com que a formação dos doutorandos ficasse seriamente comprometida.
Na mesma época, no âmbito federal o MEC credenciava sob protestos do CFM e AMB novas escolas médicas as quais proliferavam com ensino de qualidade questionável.
Paralelo a decadência do ensino médico, começava a ruir a estrutura de atendimento às população. Desapareceram os institutos patronais ( IAPI, IAPB, IAPTEC, etc...) , os quais foram substituídos pelo INAMPS, inicialmente para quem trabalhava, posteriormente para todos. A promessa constitucional - “Saúde, um direito de todos, um dever do Estado” chamou para si uma responsabilidade maior que sua capacidade de resolução. Verbas mal administradas e corrupção levaram o sistema à bancarrota. Veio o SUS, com o qual convivemos de forma insatisfatória. O Governo, com sua inoperância, abriu espaço para a proliferação dos planos alternativos de saúde, logo explorados pela “medicina mercantilista”, salvo algumas exceções ( Cooperativas e Caixas de Assistência ). Vivemos sob a ameaça do famigerado “managed care”, alem da implantação do seguro médico. O prestigio da classe está abalado e seu futuro comprometido.
Com a indexação da remuneração do ato médico ( tabelas SUS, SIEFAS e AMB ), ficamos limitados a capacidade máxima individual de atendimento, sem perspectivas de evoluição além de um determinado patamar.
Diante desta realidade nossos alunos passaram escolher as especialidades que proporcionam retorno financeiro mais imediato, ou seja, os exames complementares. O impacto deste tipo de comportamento refletiu-se sobre o INAMPS, o qual pagava pelo realizado e passou a remunerar por procedimentos, e está se refletindo sobre os planos de saúde que tem de manter atento um exército de auditores para evitar ações lesivas contra seus recursos financeiros.
A indústria de materiais e equipamentos médicos desenvolve generosas campanhas para vender seus produtos com a promessa de retorno fácil aumentando a sinistralidade dos convênios. Como o médico está carente na sua formação clínica ( ensino médico em crise ), humanisticamente deficiente ( relação médico-paciente desgastada ), trabalha para fazer produção ( número de pacientes X valor da tabela ) e o faz em condições inadequadas ( serviços desprovidos do necessário para o trabalho médico ), vemos proliferar uma medicina em crise, deixando os profissionais cada vez mais vulneráveis aos processos éticos e ao descrédito público. Empregos com baixa remuneração e que não exigem qualificação ( mão de obra barata ), fazem o médico virar tarefeiro, correndo de um emprego para o outro várias vezes ao dia ( e fazendo plantões noturnos ). Está instalada uma situação de estresse de quem atende e de quem é atendido.
Como reverter esta situação ? Entendo que só investindo no homem iremos ajustar a sociedade, portanto devemos voltar nossa atenção ao aluno do curso médico, recuperando as condições de ensino e fazendo-o sentir confiança e segurança em seus mestres e em sua Faculdade. Na UFPA já demos um grande passo com a volta do regime seriado, sepultando o sistema de créditos, além da redução e racionalização do número de vagas ( 150 alunos com dupla entrada ). A Medicina Social foi incluida no Internato. Os alunos do primeiro ano estão recebendo tratamento especial com a inclusão do “Programa de Ambientalização ao Curso Médico”. Foi instutido pelo Colegiado do Curso de Medicina, em colaboração direta com o Reitor, Prof. Cristovam Diniz, o "Programa de Revitalização do Curso de Medicina", buscando novo modelo pedagógico, melhorando as condições de infra-estrutura e olhando com especial atenção a qualificação docente. Ao fazermos as reflexões pertinentes diante do tema central das comemorações de nossos 80 anos – “Quem fomos, quem somos e quem queremos ser ?”- deveremos partir para ações objetivas que ofereçam condições de recuperar a auto-estima docente, discente e de funcionários, para que possamos voltar a ter um curso médico capaz de, após seis anos de ensino, possa oferecer a sociedade médicos capazes de serem chamados de HOMENS voltados ao competente exercício da mais sagrada das profissões, a MEDICINA.
Estas reflexões analisam os pontos abordados de forma generalista, não tendo a pretensão de particularizar críticas ou situações. Sabemos de bons profissionais, bons serviços e de boas intenções, porém urge tomarmos atitudes de impacto para melhorarmos o TODO.

Um comentário:

Abílio Ohana disse...

Sábia reflexão sobre o estado atual da Medicina em nossa cidade. Que o seu amor por essa profissão sempre lhe dê forças para continuar lutando pelo mundo ideal.
Beijo, pai.